28 outubro 2014

Porto seguro (à Maria Betania)


Ainda me lembro quando ainda nem tinha o corpo todo formado, mas já habitava o teu ventre. Era um lugar aconchegante, quentinho como uma tarde de verão. Sentia tuas mãos nas paredes do meu quarto e parecia que estava à beira da lareira no inverno. Ouvia tua  voz e meu coração saltitava como uma gazela de tanta emoção. Aos poucos fui crescendo e meu quarto diminuindo, tanto que me levava a chutar aquelas paredes em busca de maior conforto.
Em teu ventre foi a primeira vez que senti ter um lar.
Mas, como nem tudo é permanente, um dia tive que sair para outros ares respirar. Lembro-me bem que foi um choque! Saí do meu cafofo para uma sala gelada, cheia de luz e objetos estranhos. Chorei desesperadamente em busca de algo que me faltava: o ar.
A segunda vez que me senti em casa foi quando deitei em teus braços e alimentei-me de teu seio.
Teus braços me aconchegavam como se eu estivesse deitada nas nuvens. Sentia novamente o calor e o aconchego do meu lar. Foi então que chegou o dia de ir pra outro espaço que era Aberto e lá encontrei outro cantinho para me aconchegar. 
Fui crescendo, desabrochando para a vida e construindo muitos outros afetos. E por mais que fosse enveredando pelo mundo, sempre chegava a hora de voltar e nos teus braços me aconchegar.
Parti para terras distantes...
Bateu uma sensação de solidão, como se tivesse num navio a vagar sem poder para o seu porto voltar. Era como se não existisse uma âncora, somente um barco a navegar na imensidão do mar. Rogo a Deus que tome conta do meu leme, até chegar o dia em que finalmente eu possa aportar. Sigo de peito aberto com a esperança de muitos portos desbravar. As tempestades estão chegando (vindo de fora e de dentro), mas eu hei de enfrentar e uma grande marinheira me tornar. Deus, Pai, é a tua luz que me guia. Por favor, não deixa eu me afogar.

Dublin, 17 de Setembro de 2014.

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