03 dezembro 2014

Três meses de Irlanda


Em conversa jogada fora com os amigos na mesa da cozinha percebemos que parece se passaram 3 anos. Os rostos carregam traços diferentes de quando aqui pisamos pela primeira vez. Uma especie de serenidade vai transparecendo nos nossos olhos, na fala, no gesto. Vamos percebendo que já nos despojamos de tantas cargas pelo caminho e até adquirimos outras de cor e texturas  completamente diferentes. Reconhecemos também partes de nós que sempre estiveram ali, mas que nunca tivemos a oportunidade de olhar com um certo estranhamento. Nos aceitamos mais e nos sentimos mais confortados de sermos. Sem agonia, sem desespero. Aquele incômodo inicial, a pedrinha no sapato, vai encontrando seu espaço e passa a não incomodar mais. Faz parte de nós também. A saudade dos afetos bate forte na porta, mas aprendemos a deixar ela entrar e tomar um chá na sala de estar. Aprendemos a sentir essa falta do domingo em família (seja ela de laço consanguíneo ou não) de uma forma gostosa, com sorriso no rosto e calor no coração. Lembrança funciona mais que aquecedor no inverno. As preocupações continuam existindo e as reclamações são culturais, mas depois a gente para e agradece por elas também. A estabilidade traz serenidade, mas também desconforto. Tu passa a conviver muito tempo com o teu silêncio e as vezes ele te incomoda. O caos que sempre existiu dentro de ti vê oportunidade de emergir, olhar na tua cara e gritar "eu tô aqui!". Tu ficas pasmo diante do que tu vês e escutas, dá até vontade de correr. Mas não dá. Tu estás de frente contigo mesmo e o jeito é ouvir essa camarada que há tanto tempo pedia voz e era sufocada pela tua incessante correria. Agora é hora de deixar essa mulher falar, entender o que ela tanto queria te dizer. Ainda não tenho total clareza do ruído que habita o meu silêncio, mas aos poucos as notas musicas vão começando a fazer sentido.

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