Para quem não estava no evento "Tchau Brasil, Hello Irlanda", ou seja, minha despedida, aí está o recadinho do coração que escrevi pouco antes de partir para a Ilha Esmeralda. E para quem estava lá, vale a pena ler de novo.
Nasci na barriga de uma índia.
Que habitava terra fértil e boa,
cheia de altos coqueirais, de beleza soberba estendal. Andava pelada (de
calcinha dentro de casa) e pés descalços num solo sem concreto. Sempre fui a
índia mais preguiçosa da oca: Só queria deitar na rede e aproveitar a vida.
Caça e pesca? Só na seção de congelados do Hiper Bompreço e olhe lá. Preparo de
comida para a tribo? Só aprendi um dia desses, e por pura necessidade. Me
interessava muito mais por um objeto cheio de folhas brancas ou amareladas que
continha uns símbolos estranhos impressos nelas. Gostava de sentir: tocar e
cheirar aquilo que mais tarde descobri ser chamado de livro. Sentia a palavra
em alto relevo e me encantava com sua vibração. Sentia-a assim como sentia a
natureza, o vento em meus cabelos soltos, o barulho dos pássaros entre as
árvores aos primeiros raios de sol. Aquele objeto era luz, emitia para mim a
aurora do dia onde quer que eu estivesse. Era lá que eu caçava, pescava, cozinhava,
desbravava as mais densas matas. Era índia exploradora. Mas além de livros, eu
aprendi coma chefe de minha tribo outros valores: Rezar, amar e comer. Rezar
para agradecer pela nossa maior dádiva que é a vida. Amar porque é a única
fatalidade a qual estamos destinados e realmente precisamos para sermos felizes
e comer porque a gente só se lucra do que come. E assim fui aprendendo a
valorizar as coisas simples como sorriso e abraço apertado. A comer cuscuz todo
dia de manhã, macaxeira ou inhame com charque à noite, galinha guisada com
feijão e arroz no almoço no almoço. Se tinha uma coisa que a minha terra
produzia era comida boa!
A cultura que trazia era de guerreiros:
caboclinhos com suas primas e danças exuberantes, caboclo de lança com seu
estandarte multicolorido, o bumba meu boi com toda a sua destreza, Lampião e
Maria Bonita dançando um forró rala bucho, os bonecos de Olinda descendo as
ladeiras no meio da multidão, e o frevioca rasgando o passo com a tesoura nas
ruas do velho Recife.
Eu admirava o frevo muito mais do
que todos os outros ritmos por um pequeno- grande motivo:
Nasci na barriga do frevo também.
Era índia frevioca que mostrava
sua luta diária pela dança (que era pesada) com um sorriso largo no rosto. Para
mim, ela era a personificação do frevo. Ela era festa, mas também serenidade:
Só discutia a relação na beira da praia, que era pra ter tranquilidade. Sua
única ambição era um violão, era um tal de: “Hay dias que no se lo que me
passa, eu abro meu Neruda e apago o sol, misturo poesia com cachaça e acabo
discutindo futebol/mas não tem nada não tenho meu violão, mas não tem nada não
tenho meu violão”.
De um cabra arretado de uma terra
“vizinha”, chamado Vinicius de Moraes. E de novo desemboquei na literatura:
Minhas primeiras poesias foram dele e me tocaram a alma. Depois de um tempo me
tornei pretensiosa e comecei a escrever as minhas próprias: Sobre praia, lua e
amor. Sempre evocava elementos de minha terra, porque já tinha saudade mesmo
morando nela, e lá no fundo sabia que um dia iria partir, seja para o mundo
espiritual ou para uma terra longínqua. E eu vou meu Pernambuco, mas levo de ti
as batidas do maracatu, os blocos carnavalescos, os passos do frevo, os versos
de cordel, a mistura do manguebeat, a multiculturalidade, as ruas do recife
Antigo, a visão do Rio Capibaribe ao por do sol, a comida mais gostosa do
mundo, o olhar nos olhos e chamar de tu/tabacudo/e dizer ”visse” no final das
frases. Levo de ti afetos e laços de amor inquebráveis. Levo de ti o sol sempre
imponente e o mar de águas mornas. Levo de ti a guerreira que tu pariste e
permitiste viver em teu solo por 21 anos. Levo de ti a canção: Salve ó terra
dos altos coqueiros, de beleza soberba estendal, nova Roma de bravos
guerreiros, Pernambuco imortal, imortal!
E fica tranquilo meu Pernambuco,
que eu volto. Porque sou índia da civilização, mas não abandono minha rede não.
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